domingo, 15 de julho de 2012

A cinza das minhas horas

O tempo passou incólume... o fogo, outrora fúria incontida, lentamente, acabou por perder toda a sua intensidade! Até as chamas clamaram pelas cinzas em breves metamorfoses. Porque ontem fui chama acesa em mim e hoje recriei-me nas cinzas dos afectos e das palavras. As horas passaram... as questões multiplicaram-se, e as dúvidas, essas há muito que destilaram angústia e hoje são cálices de redenção. Abriram-se as portas do ser e da chama nasceu a cinza que dará lugar a novas chamas, em ciclos perpétuos de fogo, que emanam da minha vontade transcendente! Porque saberás onde me encontrar. Porque, se vieres à minha procura, saberás sempre onde me encontrar. Vem até mim, se souberes as respostas! Esta foi a cinza das horas.... Esta é a cinza das minhas horas.

domingo, 8 de julho de 2012

Vida e Morte


diz-me se
na água reconheces o rumor
adormecido nos búzios

diz-me se o Outono tem
a ver com as algas
com a incerteza das folhas

e se há um sentido oculto
no rodar das estações

diz-me se
toda a imagem é engano
ou filha enjeitada
do fogo

diz-me se é certo
que o tempo
é o único olhar
prolongado nos dias

diz-me se a vida é o avesso da vida
e se há morte

sábado, 7 de julho de 2012

Robot

O firmamento. Os meus olhos fixos nele não me deixam olhar para mais nada. As pessoas cruzam-se comigo nos corredores das ruas, embatem-se, lutam entre si. Entre elas e eu existe apenas um pequeno espaço de ficção. A mera ilusão das vidas.
Deixo o céu e miro os olhares cruzados. Tento imaginar-me naquela pele, naquele corpo, a ter os mesmos pensamentos inoportunos... deixo-me levar pela fantasia e embarco com o vento nas muralhas do olhar.

Viver uma vida de outro alguém. Não é isso que tentamos fazer constantemente? Viver o que não somos, o que não fizemos, o que não temos. Viver segundo o que os outros pretendem que sejamos. Viver perante o que a Sociedade espera de nós. Viver hipocritamente. Não viver, é sobreviver.
Opto por continuar a olhar para o Paraíso. Sorrindo. Escuto uma melodia qualquer que me faz perder na imaginação outra vez. E sonho com a pureza e honestidade de olhares. Apago da memória o cinismo do dia-a-dia. Primo o botão delete e esqueço que aqueles olhares inexpressivos são apenas o espelho das máquinas em que nos tornámos.

Sentir... não é permitido ao Robot sentir!

Asas

Abre as asas
(se pensas em voar)
Abre esses braços musculados
(se pensas que a força domina)
Abre, abre as fronteiras do medo
(o mesmo medo de que foges)
Abre tudo o que pensas
(só assim serás tu mesmo)
Abre, abre os olhos!

Fecha as asas
(nunca voarás sozinho)
Fecha os braços
(que pela força também morres)
Fecha, fecha os medos
(que de ti te escondes)
Fecha tudo...

domingo, 24 de junho de 2012

Quase perfeito


É fim de tarde. A hora começa a chegar… Combinei comigo que embarcava no comboio ao fim da tarde, perto do pôr-do-sol.

Durante dias e dias, que na soma dá perto de anos, aliciaste-me nesta tal viagem. Agora e só agora, e porque agora é o tal momento, comprei o bilhete. Escolhi o comboio, escolhi o fim de tarde e tu escolheste ir comigo, eu deixo-te ir.

Falta pouco para a hora marcada.

Saio de casa… Deixo as janelas abertas… Tranco a porta e parto a pé rumo à estação.

Não olho para o telemóvel que mantenho sem som. Não olho para trás que mantenho na memória. E sigo. Imagino-te na mesma direcção que eu, imagino-te mais nervoso que eu, imagino-te com um cigarro na mão e com a mochila nas costas… Imagino-te a fazer o caminho mais fácil, que de certo não é o mesmo que o meu. Nunca foi! Nunca andámos pelos mesmos caminhos!

Imagino-te a passar a estação para o lado de lá pelo túnel subterrâneo. Eu vou dar a volta para me despedir do mar, para respirar o vermelho deste fim de tarde, vou pela luz do dia. Tu vais pelo túnel, e pelo caminho mais fácil. Não te condeno, não posso! Não gostas tanto do mar como eu nem tanto de caminhar como eu.

Sorrio-lhe e viro-lhe as costas…

Qualquer coisa me diz que o túnel é perigoso para ti e não te deixa chegar até mim. Mas eu vou, sabes?! Comprei o bilhete e já programei tanta coisa que não me apetece deixar para depois. Quero tudo aqui e agora, como tu sabes…

Chego e faltam sete minutos para embarcar… E tu? Onde estás? Quantos faltam? Pois, não sabes, não é?! Nunca viveste com um relógio a contar-te o tempo!

Tu vens, que eu sei… Só não sei quando e nem sei se chegas a tempo. Mas contento-me em saber que vens.

Com o passar das pessoas uma brisa refresca-me a cara e rouba-me o pensamento que já não se prende a ti, nem à viagem, nem sequer aos meus planos… O meu pensamento está ali ao lado, no casal que quase chora! Um deles vai partir, um deles vai ficar… mas nenhum deles se perde! Sabes, acho que vieram juntos!

Do “micro” alguém anuncia o comboio, eu nem me levanto de tão distraída que estou a vê-los despedir-se.

Na minha cabeça canta alguém com uma voz doce, descalça e diz assim” Sabe bem ter-te por perto, Sabe bem tudo tão certo, Sabe bem quando te espero, Sabe bem beber quem quero (..) Se um beijo é quase perfeito, Perdidos num rio sem leito, Que dirá se o tempo nos der, O tempo a que temos direito”

Ela começa a chorar, devagarinho! Ele limpa-lhe as lágrimas e diz-lhe algo que a faz sorrir. O comboio chega, passa por mim e eu fico com a última carruagem à minha frente. Alguém me ajuda a subir, alguém me empurra… Por cima do ombro olho para trás e penso “que pena é tu não vires!”, e vejo-os ainda abraçados, ela a chorar, ele a fazê-la sorrir e a deixa-la sozinha na estação quando salta para o comboio no último segundo.

A porta separa-os. Separa-nos. Sabes, ainda bem! Ainda bem que não vieste dizer-me que tinhas desistido da viagem, porque eu ia chorar. Assim não choro, fico a achar-te cobarde e fico com raiva. Sim, com raiva de ti, por me mentires e de mim por acreditar em ti!

Sento-me! Calma e tranquila mas com raiva! E cada vez mais sinto-me com raiva. Estou neste comboio por tua causa e tu não vens, não dizes nada e nem me telefonas. O telefone! Pego nele já a chorar devagarinho! Está a tocar!

És tu! Atendo! E tu do outro lado apenas me dizes ofegante, “Sai na próxima estação que eu vou aí ter contigo. Perdi-me no túnel!”

E eu, sem pensar duas vezes, mal o comboio pára, pulo para a calçada! Apanho o comboio que está a chegar do outro lado da linha! Já com menos raiva! Já com menos que te dizer! Ou melhor, vou guardar para te dizer o que sei que posso dizer agora ou daqui a algum tempo! Em ti terá o mesmo impacto! Vou dizer-te que ganhas sempre! E também desta vez ganhaste! Mas eu, atenta bem no que te direi quando decidir, eu irei ganhar tal como tu!

Neste comboio, que me leva de volta a casa, entro, sem me empurrarem, sem ajuda e sem precisar dela! Será tudo isto um sinal do quando errada estava em entrar no comboio que me trouxe?! Não importa!

Sento-me e na minha cabeça ela continua descalça a cantar “Se um dia um anjo fizer, A seta bater-te no peito, Se um dia o diabo quiser, Faremos o crime perfeito”

Mais uma vez foi, quase perfeito!


sábado, 23 de junho de 2012

Da lembrança

Quero lembrar-me de ti. Sempre. Todos os dias. Mesmo que me digam que isso me prende ao que passou, que me corrói por dentro. Não interessa. Quero lembrar-me de ti. Todos os dias. Só porque tenho um medo terrível de te esquecer, de já não saber ouvir a tua gargalhada, de não reconhecer a tua cara. Tenho medo.
Quero pensar todos os dias na razão porque decidiste ir embora sem avisar. Por que é que não ligaste para não dizer nada, por que é que não nos rimos, só mais uma vez, nós as duas, de coisas a que só nós achamos piada. Por que é que não vieste, só mais uma vez,
limpar as minhas lágrimas que, agora, por causa disto, caem todos os dias. Por que é que não fomos, só mais uma vez, a um sítio qualquer. Não percebo, mas só porque não quero perceber - as tuas razões são simples. - Quiseste assim!
Como em tudo o que fazias. Nas coisas mais simples, como nas mais difíceis de resolver. Sempre soubeste o que querias. E ontem quiseste assim. Sei que já foste embora há algum tempo. Mas parece-me ontem! É a mesma dor, a mesma ausência. Só muda a lembrança, que vai ficando cada vez maior, cada vez mais acompanhada, cada vez mais presente.
Quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Quero fazer de conta que vais aparecer a qualquer momento, com uma das tuas expressões ou aos saltinhos e a bater palmas. A “mandar vir” com o mundo e a beber martini, num roupão cor-de-rosa e de chinelinho de quarto. Quero fazer
de conta que vou poder ligar-te quando quiser, fazer de conta que só não vou ter tempo ou saldo para te ligar, porque, se tivesse, podia. E tu ias atender e nós iamos tomar um cappuccino ao caffè di roma. Porque eu vou fazer de conta que estás aqui. Como sempre estiveste.
Há tantas coisas que te quero dizer. E quando te sonho, tantas vezes, estás ali. Olhas para mim com o mesmo sorriso de sempre e com o mesmo ar transparente, com as emoções e reacções à flor da pele, e ouves. Ouves sempre. Mas não respondes. E ficas longe, muito longe. Por isso é que não gosto de te sonhar. Prefiro fazer de conta que basta ir ter contigo a qualquer lado, não interessa onde, para te contar as mesmas coisas. Para te dizer que se cumpre agora um sonho, que vai acontecer, quando tantas vezes me garantiste isso nos
dias em que eu já não queria acreditar. Mostrar-te as coisas que comprei, falar-te dos meus planos, dizer-te como anda o meu coração, na certeza de que terias sempre o mesmo ar, compreensivo e interessado, mas sempre com a piadola na ponta da língua, para nos fazer rir de nós.
Quero lembrar-te. Todos os dias. E no próximo e no próximo e no próximo. Todos os dias. Mesmo que para isso tenha de ir ver fotografias antigas que me
façam esquecer a última imagem que tenho de ti, tão pequenina, tão frágil, ali à minha frente, mas tão longe.
Quero lembrar-me de ti no sorriso, nos caracóis, nas lágrimas das despedidas ou dos filmes lamechas, das neuras e das horas de estudo, das coisas que nos tornaram aquilo que somos hoje.
E é por isso que repito todos os dias o teu nome, para não me esquecer do que significa, e conto a toda a gente as coisas que tu dizias e fazias e que me davam vontade de ser também como tu em tanto do que eras.
E quando choro, porque não sei fazer de outra maneira, quero fazer de conta que me ouves e que me pedes desculpa e dizes que não quiseste partir assim, que
éramos felizes, muito felizes, e que me perdoas pelas coisas que não te disse e que te disse e tu não gostaste e pelos dias em que não percebi o que dizias quando ficavas em silêncio.
Mesmo que fazer de conta me canse e me consuma. Prefiro assim. Porque não era suposto ser de outra maneira. Não era suposto que fosses embora, para tão longe, que fizesses, mais uma vez, aquilo que querias, sem me deixares pegar-te pela mão e trazer-te para perto, onde sempre quisemos estar. Não era suposto não te poder encontrar e dizer-te que tenho saudades tuas, que tenho muitas saudades tuas, e que estás presente em cada palavra, em cada coisa. Não era suposto não te poder dar o despertador que deixaste esquecido lá em casa e o teu anel que sempre cobicei e que agora sou incapaz de pôr no dedo.
Quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Porque não sei viver de outra maneira.

Alma

Que me importa que esta casa viva de fantasmas, que tudo não passe do que um dia foi, que as paredes sussurrem entre si abrindo fendas como se quisessem recordar-me que até elas mudam com o tempo?
Tive asas e voei, voei tão alto que jurei abraçar todo o firmamento, como uma gaivota em voo planado olhando, indiferente, as ondas do mar. Como me pode importar agora um horizonte longínquo e um frio cortante no abandono deste cais?
Fui eu mesma numa descoberta profunda de mim, num toque de pele. Experimentei a liberdade e a libertação! Que me importa agora a clausura? Que me importa já não saber de mim?
O que pode, afinal, amargurar um coração que não cabe em si, uma alma inquieta, atenta, palpitante… refugiada em subterfúgios? A minha alma… Uma alma latente, que ri enquanto sangra derramada pelo chão.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Os meus anjos (escrito em 2006)


Naquele dia, acordei tarde… depois de lutas sucessivas com os lençóis contra a inércia e falta de vontade de encarar mais um nascer do Sol.

O sol brilhava lá fora… Mas só por detrás das cortinas que deixei que ficassem imóveis, indiferentes ao poder do sol que lhes pedia para entrar… Porque é que as temos de abrir, todas as manhãs?

Naquele dia, fiquei indiferente ao grito de raios solares que me chamava lá longe…

Sentei-me, enroscada em mim mesma, no meu cantinho favorito. Agarrei-me à almofada como se ela fosse a única coisa que me restasse, enquanto as lágrimas rolavam pela cara. Lembrei-me de tudo o que fui, o que sou e o que quero ser.

A minha vida passava como um filme na minha cabeça...

Regressei ao início de uma vida que conta já com 17 anos de obstáculos, lições, lágrimas, desejos contidos, gritos que ficaram por dar, sorrisos perdidos algures, hiatos de vontades, frases ditas, coisas que falei sem pensar ou que calei sem querer.

E, embalada por uma melodia desconhecida, vi-me nascer. Um bebé como tantos outros que, ao rebentar para esta vida, chorava. Há quem diga que ao nascermos choramos por chegarmos a este mundo cruel que nos ilude com um cenário cor-de-rosa para mais tarde nos aparecer cinzento e nos obrigar a sermos mais um desses tons escuros que o compõem. Não sei se o meu choro teria a ver com isso… mas se não o era, já chorei muitas vezes o choro de quem começa numa floresta cheia de luz e harmonia e ao caminhar encontra um bosque abandonado, silencioso e sem a harmonia da nossa floresta encantada.

As cenas passavam, um filme de uma criança alegre, que brincava na rua, despida de preocupações, que fazia birra quando caía numa das pedras do seu caminho (não sabendo que tal como aquela haveria muitas em que cairia também) e que se via em menos de um segundo ao colo do seu pai, um braço forte que a agarrava e lhe sussurrava “ Eu estou aqui. Já passou. Tudo vai ficar bem agora.”

A menina crescia, da mesma forma que todas as outras crianças, o filme não parecia diferente. As festas de Natal, os aniversários, as férias do verão, as reuniões de família, os passeios ao colo do pai, as idas ao parque de diversões pela mão da sua avó. A sua segunda mãe!

As cenas que corriam depressa, pararam nesse momento… A sua avó! Uma mulher como as de antigamente, dedicava a sua vida ao marido, aos filhos e netos, sempre com um sorriso nos lábios, uma voz meiga, e um dom enorme para apagar as lágrimas da menina alegre. A menina que tinha tudo.

E aquela que lhe limpou tantas vezes as lágrimas, de repente, voou num último fôlego com as suas asas em direcção a Apolo. E nesse momento não havia ninguém para lhe aparar as lágrimas, a dor era tão forte e a menina tinha apenas 12 anos.

O mundo desabou… Deixou os seus tons de rosa e começou a tornar-se cinzento. Os anos passavam e a menina caía nas pedras da sua caminhada solitária. Levantava-se sempre, erguia a cabeça e seguia o seu caminho. Mas a cada passo aprendia a não chorar ao olhar para o céu e vê-lo escuro… as lágrimas pararam de cair e a menina tornava-se ao seus 12 anos madura, desconfiada, egoísta, sofrida, dura, muito mais que as outras crianças da sua idade.

A menina alegre tinha sido pontapeada pela vida. Tropeçou, e caiu. Bateu com os joelhos, e quando se quis levantar estes fraquejaram, e teve de se sentar no chão para recuperar. Não sei quanto tempo esteve sentada, mas foi muito. Estava magoada, os braços repletos de marcas de mãos que a tentaram agarrar ao longo do tempo. A dor... qual dor, o seu coração estava muito mais magoado, e só mais tarde começou a sentir as restantes feridas a latejar. O coração deixou de lhe doer. Apoiou uma mão no chão, e a dor atravessou-a de alto a baixo. Cerrou os dentes, fechou os olhos, respirou fundo e... força! Levantou-se lentamente. E é por isso, que se as pessoas não tiverem para ela o carinho que precisa, não faz mal, porque enquanto não se levantava, ela descobriu como cuidar dela sozinha.

As cenas sucediam-se e depois da menina se ter agarrado com todas as suas forças à sua outra avó. Uma mulher diferente, que se assemelhava a ela. Já não era aquela meiga e doce que a menina precisava nos seus tempos de inocência, mas sim uma mulher forte, determinada, sofrida, corajosa, independente e culta. A vida pregou-lhe outra rasteira. E levou, não sei bem para onde, o seu novo refúgio.

Seguiram-se os episódios mais odiosos daquele filme… momentos de desespero, de revolta, noites sem dormir, a imagem da sua avó deitada na cama do quarto do hospital, a cara desfigurada, a ajuda que necessitava para realizar as coisas mais básicas da vida, a sua voz fraca quase nula…

E a menina que, muitas vezes, se tinha agarrado a Deus nos momentos difíceis começou a ignorar tudo o que a ele pertencia e instituía. A sua fé desvaneceu-se tão rapidamente como ele tinha feito desaparecer a sua avó!

O filme acabou…

E agora restava-me pensar no que eu era agora… sentada ali, tão fraca, implorando uma mão estendida que não aparecia. Pensar na menina crescida que sou… e que se pudesse não era! Tantas saudades dos tempos de inocência em que o sol brilhava e eu sorria, a chuva caía e eu cantava.

A partir daqui a caminhada é longa… Mas apesar de tudo eu ainda sonho… E ainda acredito que me tornarei naquilo que quero ser…

Quero agarrar todas as oportunidades, que são poucas, que a vida me oferecer. Eu quero guardar todas as pedras do meu caminho e construir o meu castelo.

Prometi que os meus dois anjos se orgulhariam de mim, estivessem eles onde estivessem, e é isso que vou fazer…

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Manuscritos de sentir


Gosto de sentimentos manuscritos de personagens etéreas que clamam por vidas que não as suas e que se rejeitam como se a vida lhes escapasse por cada palavra desperdiçada.
Gosto de sentir o que não se sente, meras descrições de fogueiras de sentimentos inquisitórios que se redimem e transcendem os recônditos subterfúgios onde se escondem todas as formas de sentir. A minha, a tua, a de todos e, ao mesmo tempo, a de um qualquer ninguém tornado alguém pela simples destilação da sua presença.
Não procuro sentir o que todos sentem, mas se o sentir traduzi-lo-ei em silêncios ébrios e nunca em palavras que se desfazem febrilmente em cadernos negros de escrita nocturna.
Gosto de sentimentos que se esbatem em línguas de mel e mar e se diluem em encontros casuais e soberanas rendições de vontades intrínsecas a algumas formas de ser.
Procuro sentir o que sinto, somente sentir de modo puro e definir esta multiplicidade líquida. Procuro sentir e descrever-me com um qualquer sentimento. Banal como tantos outros que mergulham nas minhas veias e celebram pactos de sangue em altares humanamente meus.
Gosto de me sentir deste modo. Gosto de me sentir assim.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A minha noite


Porque a minha noite não é igual à tua, porventura nem nunca chegaram a ser iguais. Fui demasiado egoísta para partilhar contigo a noite que tenho por minha, contudo inebriei-te com uma outra noite, com a noite que tu desejavas e que recriei à tua medida. Só não era a minha noite.
Dei-te a transcendência do prazer imediato, um mero encontro de corpos que se reconheciam pelo toque e que adormeciam juntos, mas nunca a entrega e a redenção. Por momentos os nossos corpos falaram a língua da cumplicidade e subverteram todas as regras e princípios. Por momentos fomos significantes e significados, bem como sintaxes e semânticas que se anularam nos arredondamentos das horas. Percorri o teu corpo com sofreguidão procurando encontrar-me em ti e na confusão dos sentidos. Do calor dos corpos, do sal do suor, dos gemidos, da fusão e do prazer avulso.
E hoje não és senão mais um corpo, uma vaga lembrança do que um dia foi estar próximo do amor temporário. Dei-te noites de lua cheia para que não visses eclipses e concedi-te o cálice da entrega sem nunca conhecer o seu travo.
Porque a minha noite não é igual à tua. Porque a minha noite não é tua.
Porque posso dormir contigo mas não em ti.

"Perdão"


Regresso ao quarto. Retorno ao espaço que outrora me atormentava e protegia. Retorno ao lugar que se resumia à minha vida. Sou recebida como se eu nunca houvera partido, contudo sinto-me uma estranha.
Dirijo-me à janela. Oiço um ruído atrás de mim. O som da porta do cárcere a fechar. Alguém a fechou. Volto-me e revejo-me. Sinto-me visitada por mim mesma. Como se me pudesse ver após ter saído do meu corpo.
O seu olhar é gélido. O seu olhar é reprovador. O seu olhar que afinal é o meu olhar... No violento silêncio das suas palavras, desvendo uma pergunta:
- Agora que regressaste porque partiste?
A perturbação condiciona-me e não consigo responder. Nem eu própria conheço a resposta. Passados breves segundos respondo:
-Regressei! Apenas sei que regressei.
Sem proferir qualquer palavra, o diálogo flui:
-"Quem parte de um lugar tão pequeno, mesmo que volte, nunca retorna."
-Alguma vez me perdoarás por ter partido?- questiono.
Assinado o armistício, ela devolve-me a pergunta:
-De que adianta perdoar se não somos capazes de esquecer?
Sinto-me desprotegida perante mim própria. Ela vira-me a costas e dirige-se para a porta. Sem me olhar nos olhos continua:
-Perdoar é só um código fonético. Nada mais do que isso. Perdoar é somente uma qualquer palavra. Como todas as outras. Vazia.
Remeto-me ao silêncio. Antes de fechar a porta profere em tom de despedida:
-Perdoar-te-ei se tu o conseguires fazer.
Ouço a porta a fechar-se. A porta está novamente fechada
.

Morreste-me...


Tinhas os olhos rasos de água quando te encontrei naquele dia.

Passei um bálsamo calmante sobre as tuas pálpebras, que já estavam fechadas, e com dor, de tanto choro, e disse-te que tudo iria correr pelo melhor. Que eu estava aqui. Que eu estava do teu lado.
E que a morte poderia esperar mais cem séculos para te levar para junto dela, pois ainda não havia chegado a tua hora.
E o pão mal tinha começado a levedar. Nem o fermento havia ainda sido transformado. E o meu forno já ardia esperando pelo teu corpo.
Disse-te que contemplarias os Campos Elíseos, daqui a mais cem séculos, quando as rosas do jardim murchassem e eu me picasse mortalmente num dos seus espinhos.
E que o tempo seria multiplicado por sete, e alcançarias a imortalidade.

E isso acalmou-te.

Passei de novo o bálsamo nas tuas faces que se encheram de alegria.
A alegria momentânea dos moribundos.
E o forno tinha sido aberto para te receber.
E apesar de saber que, dali a instantes, serias levada, no carro de Apolo, em direcção ao sol, não me importei.
Falei-te do mais belo que havíamos vivenciado no mundo e que tudo o mais era sem importância.

E disse-te…

Disse-te que estarias sempre comigo, e que guardaria o teu coração num frasco de alabastro branco, como o mármore das igrejas, e que serias sempre habitante das profundezas do meu ser.

E isso acalmou-te.

Foi então que o espírito do tempo chorou, e entrou no teu corpo, e cortou as últimas amarras que te prendiam ao navio da vida.

E morreste-me, naquele dia. E contigo, todo o meu ser.

Escrevi a sangue o teu nome


Escrevi a sangue o teu nome em mim para que me corresses nas veias. E foi por ti que sangrei, como sangraria agora e outra vez. Apenas por ti e para ti. Apenas para que cicatrizasses em mim. Para que o teu nome me arrancasse esta pele de ausência, esta pele que há muito que está tatuada pelo teu nome.
Tatuei todas as letras do teu nome nesta corrente rubra de muito mais e deixei que revirasses as gavetas do passado. Contigo aprendi que as gavetas há muito que não deviam ter chaves e que dói mais a incerteza do que uma presença no passado. Pertenço-te nesta certeza de pactos de sangue e é contigo que partilho silêncios de fogo que tanto têm para nos dizer.
E hoje volto a dar o teu nome à minha pele, volto a sangrar por ti e quando me perguntares porque motivo o faço... diluo todas as razões em ti e responder-te-ei que o faço apenas para que me vejas cicatrizar com um sorriso. Porque se um dia me magoares quero que o faças a sorrir.

Malmequer


Naquela manhã de sol orvalhado deixei-me levar pelo assobio do vento e pela corrente do riacho, e a força do destino embrenhou-me no verde denso, fresco e luminoso.
Os cabelos esvoaçavam ao sabor da brisa que levemente me empurrava, fazendo-me andar devagar pela verdura. O verde, aquele verde que me prendia. E aqueles salpicos de cor aqui e ali que teimavam em deixar-me tonta de emoção.
Descalça, quase nua, leve, sem medo nem preconceito. Era só eu, sem mais nada nem mais ninguém.
Um malmequer branco, molhado. Colhi-o e admirei aquela fragilidade fresca que sempre, sempre me fazia perceber como era feia e imperfeita. As pétalas brancas oscilavam com o vento leve. Olhei o céu e, de repente, tu. Em todo o lado, tu, ofuscando-me ainda mais que o sol. Arranquei uma pétala.


Mal-me-quer.
Doeu só de pensar que pudesse ser verdade. O coração apertou-se contra o peito de repente e senti o ar a fugir-me, as lágrimas a chegar. Arranquei rapidamente a pétala seguinte.

Bem-me-quer.
Leve, de repente. O coração deleitou-se com as iamgens de nós os dois, sozinhos sem pudores. Respirei melhor, tremi de emoção, de entusiasmo. Com um pouco de imaginação, ter-te-ia sentido, quase te teria beijado, mas a próxima pétala esperava.

Mal-me-quer.
Negro outra vez. Não! Quereres o meu mal, ou simplesmente não me quereres.... Não, não! Morreria...

Bem-me-quer.
Será que me queres?
Mal-me-quer.
Ou será que não?
Bem-me-quer.
Ama-me...
Mal-me-quer.
Por favor.
Bem-me-quer.
Já quase não há pétalas...
Mal-me-quer.
O que será que me espera no futuro?

Bem-me-quer. Mal-me-quer. Bem-me-quer. Mal-me-quer. Bem-me-quer.
E a última. Mal-me-quer.
Perdi as forças, caí no chão e chorei. Respirava devagar e no silêncio do infinito verde deixei as lágrimas deslizar, sem pressa. Mal-me-quer. Nada mais.

Oferecer-te


Penso em oferecer-te poesia.
Palavras inéditas, palavras rubras, palavras cinzas.
Palavras, apenas.
Penso em oferecer-te seios.
Seios brancos, alvos, honestos.
Seios, apenas.
Penso em oferecer-te dedos.
Dedos frenéticos, apaixonados, trémulos
Dedos, apenas.
Penso em oferecer-te um rasgo, um beijo,
um sentimento, uma possibilidade.
Possibilidades, apenas.
Sentimentos.
Penso-te.

Ofereço-te
a imensidão da imaginação,
a ferida e a cura,
a lágrima e o sorriso.

Não te ofereço poesia, não me ofereço.
Recrio-te. Apenas.

Sou...

Eu sou um verso de mágoas nunca feito,
Inacabado, refeito, desfeito, subjugado, imperfeito.


Sou antítese da razão, seiva que brota

Em cascata de emoção.


Sou limite que balança à margem da definição

Sou a viragem da história. Interrogação.


Sou talvez… sou sim, e por quase nada

Invoco o mundo inteiro. Sou paixão.


Sou nascente de água límpida, natural.

E puro instinto só. Sou animal.


Sou força do vento. Brilho dos astros

E quando gritam em mim dores e ansiedades.

Caio sobre os joelhos e abro os braços

Fitando inerte o céu do redentor.


Sou tudo isto que sinto e nunca sei

Se a vida escorre ou se detém.


E sou incomensuravelmente comum,

O que alguns chamam de “ninguém”.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Sem palavras


- Porque nunca dizes que me amas? Diz-me a verdade… Amas-me realmente?
- Mas duvidas??? Como podes duvidar de algo que te provo todos os dias?


- Porque não mo dizes, não mo espelhas em palavras!
- Quem disse que as palavras são a maior prova de amor que existe?


- Eu só sei sentir em palavras, eu preciso de respirar palavras. Comer palavras!
- Eu nunca fui bom com as palavras e tu sabes isso… Eu não me embrenho nessa maldita poesia que te inunda e te afasta de mim para mundos que não são meus, que não conheço e que invejo… Não compreendes? Que esse mundo só teu é um segredo, um pedaço escabroso de ti, que eu não consigo conhecer, por muito que me esforce?


- Mas eu abri-te a minha poesia…
- Eu abomino poesia! Tu sabias isso quando aceitaste ficar comigo! A escrita repele-me, não entendo o que encontras nessa maldita que não vês em mim… Eu amo-te! Eu sou real! Eu estou aqui e sou carnal e palpável. Não sou um dos teus personagens incompletos.


- Os meus personagens são partes de mim tal como eu sou parte deles. Lamento que não consigas entender isso…
- Tu pressionas-me a dizer-te coisas que eu não te sei dizer.


- Então como posso saber que as sentes?
- Não lês no meu olhar?!


- Não sei ler olhares. Não me peças para ler olhares! Os olhares enganam, deturpam. Eu vejo sempre verde nos olhos mais escuros.
- …


- Não ergas muros de silêncio à nossa volta! Eu lutei tanto para construir este equilíbrio precário que nos envolve, não o derrubes, agora, com essa facilidade!
- Equilíbrio??? Tu chamas a isto equilíbrio? Daqui a pouco vais dizer que eu não sou ciumento e que isso te faz sentir desconfortável. Fico a pensar que por muito que me esforce nunca te chega!


- Mas é estranho! Eu queria que ao menos por vezes olhasses para mim com ar de quem me quer devorar com medo de me perder. Toda a gente que ama sente medo de perder alguma vez na vida.
- E isso é alguma regra universal?


- Não… Nunca disse que era!
- Esta conversa deixa-me esgotado. Estamos sempre a falar do mesmo.


- Estamos porque nunca se resolve!
- Porque eu não compreendo a tua necessidade de palavras! Eu dou-te afecto ou não…?


- Sim. Mas eu preciso de mais. Mais carinho. Mais atenção. Eu tenho medo!
- De quê? De ser feliz?


- Sim… De ser feliz. Eu não nasci para ser feliz!
- Não digas disparates…!


- Não são disparates, são os meus sentimentos! Não me quero agarrar a alguém que me
pode abandonar a qualquer momento!
- Eu gostava de ser como os teus amigos poetas mas não sou. Queria dizer-te aquelas palavras românticas mas não consigo!


- Queria apenas que dissesses que sentes saudades minhas. É assim tão difícil?
- Para mim é…


- Então o que fazemos juntos?
- Aprendemos a amar.


- Sem palavras?
- Sem palavras…

Nunca vieste


São lágrimas que solto por saber deste meu amor impossível. Lágrimas de alegria por saber que o amor é meu e que, apesar de impossível, estará sempre ao alcance do sonho e do desejo por cumprir…
E o mar com o seu sorriso de prata é meu aliado, meu amigo, para harmonizar os meus momentos de fim de tarde em que me encontro na areia da praia deserta e desejo nadar até ti. É através das ondas sorridentes que o mar me acalma, e me deixa inerte ao pensamento fugaz da loucura do acto por realizar… Volto sempre!
Sei que outro dia virá feito de ilusões e de argumentos, para que o mundo nos afaste, sei que o meu caminho é feito das peripécias loucas e dos trechos perdidos do meu recanto chamado realidade, e ainda assim penso em ti.
Tão longe que estás, e tão perto que te sinto, nessa magia do amor que construo como castelos de areia à beira-mar, num desafio, para que mandes uma onda maior e os destruas, chamando-me assim à minha dura realidade…
E a teimosia provoca-me, faz-me voltar em cada final de tarde para construir de novo os castelinhos de areia húmida. Essa mesma teimosia que vai de mão dada com a esperança, que assim aproveita para imaginar a tua chegada por entre as alegres ondas e, num pensamento secreto, chega a imaginar que vens naquela onda maior.
E se os castelos são de areia, os desejos são de vento, e o meu amor é bordado pelo sol que, ao longe, se despede e vai dormir. O mesmo sol que aquece esta relação inexequível.
Meses passaram e a fonte das minhas lágrimas nunca secou… A minha pele, queimada do sal e do vento, anunciou o meu desespero de uma vida solitária. Nem por uma única vez apareceste!
E tanto que sonhei com esse momento. Estudei as palavras, e fiz frases para te oferecer…
Fiz planos… uma casa nessa praia deserta ou na ilha solitária do mediterrâneo.
E tu, nunca vieste…!

Veneno

A porta encostada aguardava a tua chegada. Uma mão encostada sobre a madeira polida e a porta abriu-se lentamente sob a batuta de suaves gemidos. Trocam-se palavras de circunstância e servem-se as bebidas nos copos de pé alto. Duas pedras de gelo e raspas de limão. Servem-se paladares intensos e olhares corrosivos.
Apagam-se as luzes, acendem-se as velas e tomam-se os lugares frente a frente como se de um jogo de tabuleiro se tratasse. Sentados no negro sofá ajeitamos as almofadas da cor do sangue, aquele que jurámos não derramar. O silêncio é entrecortado pelo cheiro da canela e pelos acordes tensos de uma música de fundo, humedecem-se os lábios e soltam-se as amarras às palavras.
Escolhem-se as armas e sobrevive-se à torrente das palavras duras e ao limbo do que nos une. Um trago a mais da bebida oferecida, o perdão e a ausência, a culpa e o querer mais sem saber o que mais querer. Gelo apenas para acompanhar. Esgrimem-se argumentos e silêncios na dualidade do encontro da acusação e da omissão com a raiva.
Um cálice a mais oferecido pelas tuas mãos na despedida. Veneno puro. Sem sabores para disfarçar. A porta a fechar. O som seco na aridez do adeus. Passos que se afastam no corredor.
Sucumbir apenas depois, nunca à tua frente.

Abandono

Cubro-me com todas as palavras que nunca escrevi
e as que nunca me escreveram.
Deito-me, queda, de tal forma silenciosa
que nem eu ouço o peso imenso do silêncio.
No chão morrem desenhos que a mente
delineou. Morrem memórias e sonhos.
Cerro os olhos. Interrogo-me sobre a possibilidade
de dormir todo o Inverno.
O sono chega devagar. Um sono piedoso,
que me beija as pálpebras e os cansaços.
Penetro na infinitude de mundos
que habitam a perfeição do onírico.
Abandono o corpo morto. Abandono
as palavras que nunca escrevi.
Abandono também as que nunca me escreveram.

Rosas


Não me voltes a oferecer rosas vermelhas, pois acabo sempre por me magoar nos espinhos que me invadem a pele e se disfarçam na perfeita convenção do amor. Não me voltes a oferecer rosas porque as tuas são envoltas em arame farpado e tu insistes em regar o pé da roseira com o sangue que brota das minhas feridas.
Não me voltes a oferecer rosas embrulhadas em sorrisos venenosos e falsas entregas. Eu nem sequer gosto de rosas vermelhas! Não me dês mais rosas vermelhas, oferece-me antes uma rosa negra, esse negro aveludado da cor das sombras.
Da próxima vez serei eu a oferecer-te flores, vou oferecer-te uma rosa tatuada de intenções e quando for a tua vez de sangrar, arrancarei as pétalas uma a uma e vou disfarçar um sorriso vitorioso quando os meus espinhos rasgarem a tua pele.

Quando entras em mim acredito que me amas

Quando entras em mim acredito que me amas.
talvez não precise de todas as palavras, todas as promessas
que o coração anseia. talvez não precise de mais nada
do que os teus olhos presos na minha alma.
quando entras em mim, acredito na força invisível
que impele os teus passos a refugiarem-se na abertura oca
do meu peito. quando me olhas, e os teus olhos são lagos
e as tuas mãos são perfeitos vales em que a minha pele
morre. quando entras em mim, acredito que me amas.
sempre.

Encenação

Vem assistir a esta encenação de personagens irreais, aquelas que vou criando para me afastar de ti que te aproximas e te sentas na primeira fila. Eis-me aqui perante o público, onde somente tu te encontras em todos os lugares e em lado nenhum.
Virás certamente e eu subirei ao palco para mais um monólogo de improvisos e de distâncias, pois aqui os cenários são apenas cenários, nada mais que vulgares representações da realidade que te apresento. Essa realidade que tem a duração de uma noite desigual. Vem assistir a esta peça onde os sentimentos são de barro e de água, onde os recrio sempre que me vou moldando a um novo papel. Porque o que sinto agora tem a duração do presente, acrescentado ao passado e diminuído ao devir das esquinas das ruas da vida.
Vem e eu ressurgirei envolta em luzes fingidas, aquelas que me revelam despida de mim e vestida de todas as personagens que em mim ganham existência. Apresento-me uma vez mais como se não te conhecesse e levo-te a acreditar que tenho cheiro de pôr-do-sol, quando em mim se passeiam aromas de tristezas amordaçadas.
E no fim de toda esta encenação, as luzes apagam-se, o pano cai e tu baterás palmas e chamar-me-ás pelo nome.