terça-feira, 19 de junho de 2012

Morreste-me...


Tinhas os olhos rasos de água quando te encontrei naquele dia.

Passei um bálsamo calmante sobre as tuas pálpebras, que já estavam fechadas, e com dor, de tanto choro, e disse-te que tudo iria correr pelo melhor. Que eu estava aqui. Que eu estava do teu lado.
E que a morte poderia esperar mais cem séculos para te levar para junto dela, pois ainda não havia chegado a tua hora.
E o pão mal tinha começado a levedar. Nem o fermento havia ainda sido transformado. E o meu forno já ardia esperando pelo teu corpo.
Disse-te que contemplarias os Campos Elíseos, daqui a mais cem séculos, quando as rosas do jardim murchassem e eu me picasse mortalmente num dos seus espinhos.
E que o tempo seria multiplicado por sete, e alcançarias a imortalidade.

E isso acalmou-te.

Passei de novo o bálsamo nas tuas faces que se encheram de alegria.
A alegria momentânea dos moribundos.
E o forno tinha sido aberto para te receber.
E apesar de saber que, dali a instantes, serias levada, no carro de Apolo, em direcção ao sol, não me importei.
Falei-te do mais belo que havíamos vivenciado no mundo e que tudo o mais era sem importância.

E disse-te…

Disse-te que estarias sempre comigo, e que guardaria o teu coração num frasco de alabastro branco, como o mármore das igrejas, e que serias sempre habitante das profundezas do meu ser.

E isso acalmou-te.

Foi então que o espírito do tempo chorou, e entrou no teu corpo, e cortou as últimas amarras que te prendiam ao navio da vida.

E morreste-me, naquele dia. E contigo, todo o meu ser.

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