Quero
lembrar-me de ti. Sempre. Todos os dias. Mesmo que me digam que isso me prende
ao que passou, que me corrói por dentro. Não interessa. Quero lembrar-me de ti.
Todos os dias. Só porque tenho um medo terrível de te esquecer, de já não saber
ouvir a tua gargalhada, de não reconhecer a tua cara. Tenho medo.
Quero pensar todos os dias na razão porque decidiste ir embora sem avisar. Por
que é que não ligaste para não dizer nada, por que é que não nos rimos, só mais
uma vez, nós as duas, de coisas a que só nós achamos piada. Por que é que não
vieste, só mais uma vez, limpar as minhas lágrimas que, agora, por causa disto,
caem todos os dias. Por que é que não fomos, só mais uma vez, a um sítio
qualquer. Não percebo, mas só porque não quero perceber - as tuas razões são
simples. - Quiseste assim!
Como em tudo o que fazias. Nas coisas mais simples, como nas mais difíceis de
resolver. Sempre soubeste o que querias. E ontem quiseste assim. Sei que já
foste embora há algum tempo. Mas parece-me ontem! É a mesma dor, a mesma
ausência. Só muda a lembrança, que vai ficando cada vez maior, cada vez mais
acompanhada, cada vez mais presente.
Quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Quero fazer de conta que vais aparecer a qualquer momento, com uma das tuas
expressões ou aos saltinhos e a bater palmas. A “mandar vir” com o mundo e a
beber martini, num roupão cor-de-rosa e de chinelinho de quarto. Quero fazer de
conta que vou poder ligar-te quando quiser, fazer de conta que só não vou ter
tempo ou saldo para te ligar, porque, se tivesse, podia. E tu ias atender e nós
iamos tomar um cappuccino ao caffè di roma. Porque eu vou fazer de conta que
estás aqui. Como sempre estiveste.
Há tantas coisas que te quero dizer. E quando te sonho, tantas vezes, estás
ali. Olhas para mim com o mesmo sorriso de sempre e com o mesmo ar
transparente, com as emoções e reacções à flor da pele, e ouves. Ouves sempre.
Mas não respondes. E ficas longe, muito longe. Por isso é que não gosto de te
sonhar. Prefiro fazer de conta que basta ir ter contigo a qualquer lado, não
interessa onde, para te contar as mesmas coisas. Para te dizer que se cumpre
agora um sonho, que vai acontecer, quando tantas vezes me garantiste isso nos
dias em que eu já não queria acreditar. Mostrar-te as coisas que comprei,
falar-te dos meus planos, dizer-te como anda o meu coração, na certeza de que
terias sempre o mesmo ar, compreensivo e interessado, mas sempre com a piadola
na ponta da língua, para nos fazer rir de nós.
Quero lembrar-te. Todos os dias. E no próximo e no próximo e no próximo. Todos
os dias. Mesmo que para isso tenha de ir ver fotografias antigas que me façam
esquecer a última imagem que tenho de ti, tão pequenina, tão frágil, ali à
minha frente, mas tão longe.
Quero lembrar-me de ti no sorriso, nos caracóis, nas lágrimas das despedidas ou
dos filmes lamechas, das neuras e das horas de estudo, das coisas que nos
tornaram aquilo que somos hoje.
E é por isso que repito todos os dias o teu nome, para não me esquecer do que
significa, e conto a toda a gente as coisas que tu dizias e fazias e que me
davam vontade de ser também como tu em tanto do que eras.
E quando choro, porque não sei fazer de outra maneira, quero fazer de conta que
me ouves e que me pedes desculpa e dizes que não quiseste partir assim, que éramos
felizes, muito felizes, e que me perdoas pelas coisas que não te disse e que te
disse e tu não gostaste e pelos dias em que não percebi o que dizias quando
ficavas em silêncio.
Mesmo que fazer de conta me canse e me consuma. Prefiro assim. Porque não era
suposto ser de outra maneira. Não era suposto que fosses embora, para tão
longe, que fizesses, mais uma vez, aquilo que querias, sem me deixares pegar-te
pela mão e trazer-te para perto, onde sempre quisemos estar. Não era suposto
não te poder encontrar e dizer-te que tenho saudades tuas, que tenho muitas
saudades tuas, e que estás presente em cada palavra, em cada coisa. Não era
suposto não te poder dar o despertador que deixaste esquecido lá em casa e o teu
anel que sempre cobicei e que agora sou incapaz de pôr no dedo.
Quero lembrar-me de ti. Todos os dias.
Porque
não sei viver de outra maneira.
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