domingo, 24 de junho de 2012

Quase perfeito


É fim de tarde. A hora começa a chegar… Combinei comigo que embarcava no comboio ao fim da tarde, perto do pôr-do-sol.

Durante dias e dias, que na soma dá perto de anos, aliciaste-me nesta tal viagem. Agora e só agora, e porque agora é o tal momento, comprei o bilhete. Escolhi o comboio, escolhi o fim de tarde e tu escolheste ir comigo, eu deixo-te ir.

Falta pouco para a hora marcada.

Saio de casa… Deixo as janelas abertas… Tranco a porta e parto a pé rumo à estação.

Não olho para o telemóvel que mantenho sem som. Não olho para trás que mantenho na memória. E sigo. Imagino-te na mesma direcção que eu, imagino-te mais nervoso que eu, imagino-te com um cigarro na mão e com a mochila nas costas… Imagino-te a fazer o caminho mais fácil, que de certo não é o mesmo que o meu. Nunca foi! Nunca andámos pelos mesmos caminhos!

Imagino-te a passar a estação para o lado de lá pelo túnel subterrâneo. Eu vou dar a volta para me despedir do mar, para respirar o vermelho deste fim de tarde, vou pela luz do dia. Tu vais pelo túnel, e pelo caminho mais fácil. Não te condeno, não posso! Não gostas tanto do mar como eu nem tanto de caminhar como eu.

Sorrio-lhe e viro-lhe as costas…

Qualquer coisa me diz que o túnel é perigoso para ti e não te deixa chegar até mim. Mas eu vou, sabes?! Comprei o bilhete e já programei tanta coisa que não me apetece deixar para depois. Quero tudo aqui e agora, como tu sabes…

Chego e faltam sete minutos para embarcar… E tu? Onde estás? Quantos faltam? Pois, não sabes, não é?! Nunca viveste com um relógio a contar-te o tempo!

Tu vens, que eu sei… Só não sei quando e nem sei se chegas a tempo. Mas contento-me em saber que vens.

Com o passar das pessoas uma brisa refresca-me a cara e rouba-me o pensamento que já não se prende a ti, nem à viagem, nem sequer aos meus planos… O meu pensamento está ali ao lado, no casal que quase chora! Um deles vai partir, um deles vai ficar… mas nenhum deles se perde! Sabes, acho que vieram juntos!

Do “micro” alguém anuncia o comboio, eu nem me levanto de tão distraída que estou a vê-los despedir-se.

Na minha cabeça canta alguém com uma voz doce, descalça e diz assim” Sabe bem ter-te por perto, Sabe bem tudo tão certo, Sabe bem quando te espero, Sabe bem beber quem quero (..) Se um beijo é quase perfeito, Perdidos num rio sem leito, Que dirá se o tempo nos der, O tempo a que temos direito”

Ela começa a chorar, devagarinho! Ele limpa-lhe as lágrimas e diz-lhe algo que a faz sorrir. O comboio chega, passa por mim e eu fico com a última carruagem à minha frente. Alguém me ajuda a subir, alguém me empurra… Por cima do ombro olho para trás e penso “que pena é tu não vires!”, e vejo-os ainda abraçados, ela a chorar, ele a fazê-la sorrir e a deixa-la sozinha na estação quando salta para o comboio no último segundo.

A porta separa-os. Separa-nos. Sabes, ainda bem! Ainda bem que não vieste dizer-me que tinhas desistido da viagem, porque eu ia chorar. Assim não choro, fico a achar-te cobarde e fico com raiva. Sim, com raiva de ti, por me mentires e de mim por acreditar em ti!

Sento-me! Calma e tranquila mas com raiva! E cada vez mais sinto-me com raiva. Estou neste comboio por tua causa e tu não vens, não dizes nada e nem me telefonas. O telefone! Pego nele já a chorar devagarinho! Está a tocar!

És tu! Atendo! E tu do outro lado apenas me dizes ofegante, “Sai na próxima estação que eu vou aí ter contigo. Perdi-me no túnel!”

E eu, sem pensar duas vezes, mal o comboio pára, pulo para a calçada! Apanho o comboio que está a chegar do outro lado da linha! Já com menos raiva! Já com menos que te dizer! Ou melhor, vou guardar para te dizer o que sei que posso dizer agora ou daqui a algum tempo! Em ti terá o mesmo impacto! Vou dizer-te que ganhas sempre! E também desta vez ganhaste! Mas eu, atenta bem no que te direi quando decidir, eu irei ganhar tal como tu!

Neste comboio, que me leva de volta a casa, entro, sem me empurrarem, sem ajuda e sem precisar dela! Será tudo isto um sinal do quando errada estava em entrar no comboio que me trouxe?! Não importa!

Sento-me e na minha cabeça ela continua descalça a cantar “Se um dia um anjo fizer, A seta bater-te no peito, Se um dia o diabo quiser, Faremos o crime perfeito”

Mais uma vez foi, quase perfeito!


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