É
fim de tarde. A hora começa a chegar… Combinei comigo que embarcava no comboio
ao fim da tarde, perto do pôr-do-sol.
Durante
dias e dias, que na soma dá perto de anos, aliciaste-me nesta tal viagem. Agora
e só agora, e porque agora é o tal momento, comprei o bilhete. Escolhi o
comboio, escolhi o fim de tarde e tu escolheste ir comigo, eu deixo-te ir.
Falta
pouco para a hora marcada.
Saio
de casa… Deixo as janelas abertas… Tranco a porta e parto a pé rumo à estação.
Não
olho para o telemóvel que mantenho sem som. Não olho para trás que mantenho na
memória. E sigo. Imagino-te na mesma direcção que eu, imagino-te mais nervoso
que eu, imagino-te com um cigarro na mão e com a mochila nas costas… Imagino-te
a fazer o caminho mais fácil, que de certo não é o mesmo que o meu. Nunca foi!
Nunca andámos pelos mesmos caminhos!
Imagino-te
a passar a estação para o lado de lá pelo túnel subterrâneo. Eu vou dar a volta
para me despedir do mar, para respirar o vermelho deste fim de tarde, vou pela
luz do dia. Tu vais pelo túnel, e pelo caminho mais fácil. Não te condeno, não
posso! Não gostas tanto do mar como eu nem tanto de caminhar como eu.
Sorrio-lhe
e viro-lhe as costas…
Qualquer
coisa me diz que o túnel é perigoso para ti e não te deixa chegar até mim. Mas
eu vou, sabes?! Comprei o bilhete e já programei tanta coisa que não me apetece
deixar para depois. Quero tudo aqui e agora, como tu sabes…
Chego
e faltam sete minutos para embarcar… E tu? Onde estás? Quantos faltam? Pois,
não sabes, não é?! Nunca viveste com um relógio a contar-te o tempo!
Tu
vens, que eu sei… Só não sei quando e nem sei se chegas a tempo. Mas
contento-me em saber que vens.
Com
o passar das pessoas uma brisa refresca-me a cara e rouba-me o pensamento que
já não se prende a ti, nem à viagem, nem sequer aos meus planos… O meu
pensamento está ali ao lado, no casal que quase chora! Um deles vai partir, um
deles vai ficar… mas nenhum deles se perde! Sabes, acho que vieram juntos!
Do “micro”
alguém anuncia o comboio, eu nem me levanto de tão distraída que estou a vê-los
despedir-se.
Na
minha cabeça canta alguém com uma voz doce, descalça e diz assim” Sabe bem
ter-te por perto, Sabe bem tudo tão certo, Sabe bem quando te espero, Sabe bem
beber quem quero (..) Se um beijo é quase perfeito, Perdidos num rio sem leito,
Que dirá se o tempo nos der, O tempo a que temos direito”
Ela
começa a chorar, devagarinho! Ele limpa-lhe as lágrimas e diz-lhe algo que a
faz sorrir. O comboio chega, passa por mim e eu fico com a última carruagem à
minha frente. Alguém me ajuda a subir, alguém me empurra… Por cima do ombro
olho para trás e penso “que pena é tu não vires!”, e vejo-os ainda abraçados,
ela a chorar, ele a fazê-la sorrir e a deixa-la sozinha na estação quando salta
para o comboio no último segundo.
A
porta separa-os. Separa-nos. Sabes, ainda bem! Ainda bem que não vieste
dizer-me que tinhas desistido da viagem, porque eu ia chorar. Assim não choro,
fico a achar-te cobarde e fico com raiva. Sim, com raiva de ti, por me mentires
e de mim por acreditar em ti!
Sento-me!
Calma e tranquila mas com raiva! E cada vez mais sinto-me com raiva. Estou
neste comboio por tua causa e tu não vens, não dizes nada e nem me telefonas. O
telefone! Pego nele já a chorar devagarinho! Está a tocar!
És
tu! Atendo! E tu do outro lado apenas me dizes ofegante, “Sai na próxima
estação que eu vou aí ter contigo. Perdi-me no túnel!”
E
eu, sem pensar duas vezes, mal o comboio pára, pulo para a calçada! Apanho o
comboio que está a chegar do outro lado da linha! Já com menos raiva! Já com
menos que te dizer! Ou melhor, vou guardar para te dizer o que sei que posso
dizer agora ou daqui a algum tempo! Em ti terá o mesmo impacto! Vou dizer-te
que ganhas sempre! E também desta vez ganhaste! Mas eu, atenta bem no que te
direi quando decidir, eu irei ganhar tal como tu!
Neste
comboio, que me leva de volta a casa, entro, sem me empurrarem, sem ajuda e sem
precisar dela! Será tudo isto um sinal do quando errada estava em entrar no
comboio que me trouxe?! Não importa!
Sento-me
e na minha cabeça ela continua descalça a cantar “Se um dia um anjo fizer, A
seta bater-te no peito, Se um dia o diabo quiser, Faremos o crime perfeito”
Mais
uma vez foi, quase perfeito!