quinta-feira, 21 de junho de 2012

Os meus anjos (escrito em 2006)


Naquele dia, acordei tarde… depois de lutas sucessivas com os lençóis contra a inércia e falta de vontade de encarar mais um nascer do Sol.

O sol brilhava lá fora… Mas só por detrás das cortinas que deixei que ficassem imóveis, indiferentes ao poder do sol que lhes pedia para entrar… Porque é que as temos de abrir, todas as manhãs?

Naquele dia, fiquei indiferente ao grito de raios solares que me chamava lá longe…

Sentei-me, enroscada em mim mesma, no meu cantinho favorito. Agarrei-me à almofada como se ela fosse a única coisa que me restasse, enquanto as lágrimas rolavam pela cara. Lembrei-me de tudo o que fui, o que sou e o que quero ser.

A minha vida passava como um filme na minha cabeça...

Regressei ao início de uma vida que conta já com 17 anos de obstáculos, lições, lágrimas, desejos contidos, gritos que ficaram por dar, sorrisos perdidos algures, hiatos de vontades, frases ditas, coisas que falei sem pensar ou que calei sem querer.

E, embalada por uma melodia desconhecida, vi-me nascer. Um bebé como tantos outros que, ao rebentar para esta vida, chorava. Há quem diga que ao nascermos choramos por chegarmos a este mundo cruel que nos ilude com um cenário cor-de-rosa para mais tarde nos aparecer cinzento e nos obrigar a sermos mais um desses tons escuros que o compõem. Não sei se o meu choro teria a ver com isso… mas se não o era, já chorei muitas vezes o choro de quem começa numa floresta cheia de luz e harmonia e ao caminhar encontra um bosque abandonado, silencioso e sem a harmonia da nossa floresta encantada.

As cenas passavam, um filme de uma criança alegre, que brincava na rua, despida de preocupações, que fazia birra quando caía numa das pedras do seu caminho (não sabendo que tal como aquela haveria muitas em que cairia também) e que se via em menos de um segundo ao colo do seu pai, um braço forte que a agarrava e lhe sussurrava “ Eu estou aqui. Já passou. Tudo vai ficar bem agora.”

A menina crescia, da mesma forma que todas as outras crianças, o filme não parecia diferente. As festas de Natal, os aniversários, as férias do verão, as reuniões de família, os passeios ao colo do pai, as idas ao parque de diversões pela mão da sua avó. A sua segunda mãe!

As cenas que corriam depressa, pararam nesse momento… A sua avó! Uma mulher como as de antigamente, dedicava a sua vida ao marido, aos filhos e netos, sempre com um sorriso nos lábios, uma voz meiga, e um dom enorme para apagar as lágrimas da menina alegre. A menina que tinha tudo.

E aquela que lhe limpou tantas vezes as lágrimas, de repente, voou num último fôlego com as suas asas em direcção a Apolo. E nesse momento não havia ninguém para lhe aparar as lágrimas, a dor era tão forte e a menina tinha apenas 12 anos.

O mundo desabou… Deixou os seus tons de rosa e começou a tornar-se cinzento. Os anos passavam e a menina caía nas pedras da sua caminhada solitária. Levantava-se sempre, erguia a cabeça e seguia o seu caminho. Mas a cada passo aprendia a não chorar ao olhar para o céu e vê-lo escuro… as lágrimas pararam de cair e a menina tornava-se ao seus 12 anos madura, desconfiada, egoísta, sofrida, dura, muito mais que as outras crianças da sua idade.

A menina alegre tinha sido pontapeada pela vida. Tropeçou, e caiu. Bateu com os joelhos, e quando se quis levantar estes fraquejaram, e teve de se sentar no chão para recuperar. Não sei quanto tempo esteve sentada, mas foi muito. Estava magoada, os braços repletos de marcas de mãos que a tentaram agarrar ao longo do tempo. A dor... qual dor, o seu coração estava muito mais magoado, e só mais tarde começou a sentir as restantes feridas a latejar. O coração deixou de lhe doer. Apoiou uma mão no chão, e a dor atravessou-a de alto a baixo. Cerrou os dentes, fechou os olhos, respirou fundo e... força! Levantou-se lentamente. E é por isso, que se as pessoas não tiverem para ela o carinho que precisa, não faz mal, porque enquanto não se levantava, ela descobriu como cuidar dela sozinha.

As cenas sucediam-se e depois da menina se ter agarrado com todas as suas forças à sua outra avó. Uma mulher diferente, que se assemelhava a ela. Já não era aquela meiga e doce que a menina precisava nos seus tempos de inocência, mas sim uma mulher forte, determinada, sofrida, corajosa, independente e culta. A vida pregou-lhe outra rasteira. E levou, não sei bem para onde, o seu novo refúgio.

Seguiram-se os episódios mais odiosos daquele filme… momentos de desespero, de revolta, noites sem dormir, a imagem da sua avó deitada na cama do quarto do hospital, a cara desfigurada, a ajuda que necessitava para realizar as coisas mais básicas da vida, a sua voz fraca quase nula…

E a menina que, muitas vezes, se tinha agarrado a Deus nos momentos difíceis começou a ignorar tudo o que a ele pertencia e instituía. A sua fé desvaneceu-se tão rapidamente como ele tinha feito desaparecer a sua avó!

O filme acabou…

E agora restava-me pensar no que eu era agora… sentada ali, tão fraca, implorando uma mão estendida que não aparecia. Pensar na menina crescida que sou… e que se pudesse não era! Tantas saudades dos tempos de inocência em que o sol brilhava e eu sorria, a chuva caía e eu cantava.

A partir daqui a caminhada é longa… Mas apesar de tudo eu ainda sonho… E ainda acredito que me tornarei naquilo que quero ser…

Quero agarrar todas as oportunidades, que são poucas, que a vida me oferecer. Eu quero guardar todas as pedras do meu caminho e construir o meu castelo.

Prometi que os meus dois anjos se orgulhariam de mim, estivessem eles onde estivessem, e é isso que vou fazer…

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